quarta-feira, 27 de abril de 2011

O tempo é do Tempo



"O tempo e a maré não esperam por ninguém, 
caminham de mãos dadas, mas cada um pelo seu pé."

 -  Paulo Lourenço “Ramiro de Kali”

O tempo é do Tempo

Havia um rapaz que desde os seus tempos de escola, sempre quis estar á frente de tudo e de todos, ele estudava feito um louco para poder ser o primeiro de entre os seus colegas, a saber as matérias que iam sendo dadas, e a responder ás questões que os professores faziam. Ele não estudava apenas a matéria referente ao ano escolar em que andava, ele estudava também as matérias que iam ser aprendidas nos próximos anos, pois ele queria rápìdamente passar de ano, e não aceitava que houvesse colegas mais avançados. Ele não aceitava o tempo que demorava cada ano escolar, pois para ele era muito, e achava que nesse tempo podia fazer mais de que um ano.
Até o seu crescimento como criança que era, ele tentou acelerar, ainda nem tinha vestígios de pilosidade, e já tentava fazer fazer a barba ás escondidas, com a lamina e espuma de seu pai. Ele tinha de estar á frente dos outros meninos da sua idade, tinha de ser o primeiro a ter barba.
Enfim, ele nunca aceitou o tempo de cada coisa, e nunca entendeu que cada um, cada coisa deste Universo, tem o seu próprio tempo. E o tempo de um, não é o mesmo tempo de outro.
Ele foi crescendo, sempre com as suas guerras contra o tempo, e sem se dar por isso, não vivia o seu próprio tempo, pois estava sempre a querer viver um tempo que não era o seu.
Isso criou-lhe muitos problemas de cabeça, ele não vivia satisfeito, e nunca tinha conhecido a felicidade, pois ele nem tinha tempo para a conhecer. O que ele queria mesmo, era ser diferente de todos, e lá isso era...

Um dia, já na idade adulta, ele conheceu e entrou para um terreiro de Umbanda, pensando que ali encontrasse algumas respostas para os seus problemas.
Ele gostou, e foi ficando, iniciando o seu desenvolvimento espiritual, juntamente com outros irmãos do terreiro. Mas, mais uma vez, não soube viver o seu tempo, e mesmo depois de lhe ter sido explicado pelo responsável espiritual, pelos médiuns mais antigos, e pelas próprias entidades de trabalho dos médiuns da corrente, que não se deve questionar a evolução e o tempo dos seus irmãos, ele não aceitou viver o seu tempo. Tinha mais uma vez de estar á frente dos outros.
Então, o seu desejo de começar a incorporar as entidades, e de se afirmar perante os outros era tão grande, que ele começou a tentar mistificar que incorporava, e na hora do desenvolvimento espiritual atribuía ele próprio e mentalmente, dezenas de movimentos, expressões, e sons ás entidades, que nunca chegavam a incorporar, pois ele próprio não deixava.
O tempo foi passando, e ele foi vendo que os seus irmãos que entraram ao mesmo tempo que ele, uns até depois, iam desenvolvendo, recebendo aos poucos as suas entidades, confirmadas as suas linhas de trabalho e ordem para usar novas guias, e ele, por muito que mistificasse, por muito que pedisse guias de confirmação ás entidades de trabalho, não as conseguia enganar, e não passava do mesmo degrau.

- Que teria acontecido? pensava ele revoltado.
- Porque os outros me estão a passar á frente? eu sou melhor que eles, eu estudo mais que eles, eu mereço mais que eles...

Ele tinha esquecido simplesmente, uma das coisas mais importantes do ser humano, e uma das coisas mais importantes do mundo espiritual: Humildade.

Mas mesmo assim ele não desistia, e ele lá continuava, na sua revolta, com inveja e ciume dos outros irmãos.
E um dia, na hora do desenvolvimento dos médiuns, cansado de tanto mistificar, pois de nada adiantava. Sem pensar em nada, simplesmente com a mente no vazio absoluto, uma entidade incorporou nele. Era totalmente diferente, do que ele mistificava, e de uma linha de trabalho diferente àquela que ele tentou escolher para si. Finalmente ele tinha conhecido a força e a vibração de uma entidade de luz.
No fim do ritual, o dirigente espiritual deu-lhe os parabéns. E falou para todos, que no próximo dia de ritual ia confirmar no jogo de búzios, o Orixá de cabeça de cada um, pois queria que todos começassem a usar também as guias do Orixá de cabeça.
Ele sentiu o seu peito encher de alegria, pois não tinha apenas recebido pela primeira vez uma entidade, como ia ter confirmado o seu Orixá de cabeça. Mas lá bem no fundo, ele não tinha aprendido nada.
Vestiu-se e saiu dali a correr. Foi comprar fio e missangas (contas) de todas as cores que existem para os Orixás. Queria ser o primeiro a ter e a usar as guias de Orixá.
Chegado a casa, pôs-se a fazer todas as guias de todos os Orixás que ele conhecia. Não sabia, nem imaginava sequer qual poderia ser o seu, mas o que interessava, era que no próximo dia de ritual, as levasse todas prontas, para que assim que fosse confirmado o seu Orixá, pudesse logo colocar a correspondente. Seria finalmente o primeiro em qualquer coisa lá no terreiro... O primeiro a usar guias de Orixá.
Nessa noite não pregou olho, e trabalhou desesperadamente, fazendo guia atrás de guia... guia atrás de guia.

De manhã, foi encontrado sem vida deitado no chão, no meio das guias que estava a fazer. Tinha sido fulminado por um ataque cardiaco.

Nas mãos, segurava a ultima guia que tinha acabado de fazer... a guia do Orixá Tempo.

Lisboa, 27 de Abril de 2011 © Paulo Lourenço “Ramiro de Kali”




1 comentário:

A VERDADE ESTA EM NÓS disse...

O TEMPO DA E O TEMPO TIRA
ZARA TEMPO E